16 de
agosto de 2014
Apesar do
alardeado resultado de um acordo entre o governo e a indústria, que reduziu o
teor de sal nos alimentos, o consumidor
brasileiro ainda consome mais que o dobro da substância recomendado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS ).
Os altos
índices de presença de sódio – elemento contido no sal – preocupam o governo
brasileiro e motivam iniciativas de saúde pública para monitorar o consumo,
reduzir os índices já na fabricação e promover mudanças de hábitos.
Cerca de
metade dos brasileiros (48,6%) avalia seu consumo diário de sal como “médio”,
segundo dados compilados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) através a pesquisa Vigitel 2013 (Vigilância de Fatores de Risco e
Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico).
A
percepção equivocada preocupa médicos e autoridades, já que o país estima que o
consumo médio do brasileiro seja de 12 gramas de sal por dia, mais do que o
dobro dos 5 gramas diários recomendados pela OMS.
Não por
acaso, o governo estima que um quarto da população sofra de hipertensão
arterial, uma das consequências do excesso de sódio na dieta.
O excesso
de sal na alimentação está ligado ao aumento no risco de doenças como
hipertensão, doenças cardiovasculares e doenças renais.
Doenças
crônicas não transmissíveis, como essas, são responsáveis por até 63% das
mortes no mundo e 72% no Brasil , e um terço dos óbitos ocorre em
pessoas com menos de 60 anos, indica o Ministério da Saúde.
Acordos
O consumo
moderado de cloreto de sódio, ao lado de uma alimentação saudável e prática de
exercícios físicos, já é uma recomendação tradicional do Ministério da Saúde e
dos médicos.
A partir
de 2011 o governo federal passou também a celebrar acordos com a Associação
Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) para reduzir gradativamente as
quantidades de sal presentes em alimentos industrializados.
O governo
divulgou o primeiro resultado desta iniciativa na terça-feira. Entre 2011 e
2012, cerca de 1,3 mil toneladas de sódio foram retiradas apenas de três
classes de alimentos (pães de forma, bisnaguinhas e massas instantâneas).
O acordo
possui outras 13 categorias de alimentos, ainda não testados. Em 2012, outro
pacto incluiu na lista temperos, caldos, cereais matinais e margarinas
vegetais, e mais dois documentos foram assinados posteriormente, agregando ao
grupo empanados, hambúrgueres, três tipos de linguiças, mortadela,
apresuntados, queijo mussarela, requeijão e sopas instantâneas.
A meta é
reduzir em 28,5 mil toneladas a presença de sódio na mesa dos brasileiros até
2020, para se adequar à recomendação da OMS.
Em
entrevista à BBC Brasil, o presidente da Abia, Edmundo Klotz,
comentou o processo. “Não foi fácil, mas por ser uma redução gradual, ao
longo dos anos, foi possível acompanhar e amadurecer a ideia na indústria”,
disse o empresário.
“Em
2007 já havíamos reduzido as gorduras trans, agora o sódio. No futuro serão as
gorduras e o açúcar. A tendência é produzirmos alimentos mais saudáveis“,
afirmou.
“E há
países copiando nosso modelo, que não é de proibição, mas sim de redução
voluntária gradual. Argentina, Chile, e até nações europeias estão seguindo a
ideia.”
Educação nutricional
Para Durval
Ribas Filho, médico nutrólogo e presidente da Associação Brasileira de
Nutrologia (Abran), a ideia é muito bem-vinda, e a participação das
indústrias alimentícias dá um peso muito maior à iniciativa.
O
especialista, no entanto, diz que há mais medidas que podem ser tomadas,
sobretudo no campo da educação nutricional.
“O
caráter voluntário desse programa é bom, porque a história mostra que as
proibições não dão certo. Mas podemos fazer mais. Ações nas escolas, com as
crianças, seriam bem-vindas, explicando sobre os malefícios do sal. As pessoas
também deveriam refletir sobre esse hábito de ter o saleiro em cima da mesa, o
que ainda é muito comum no Brasil“, avalia.
Ribas
relembra que o sal é um mineral importante e que a presença do iodo, essencial
para a saúde da glândula tireoide, é uma razão para o seu consumo. A questão é
o excesso. O especialista chama a atenção para o sal light, com 50% menos
sódio, que já está disponível no mercado brasileiro.
“Cada
país tem seus hábitos, seus costumes. Há lugares que acrescentam molhos,
pimentas. No Brasil é o sal. O brasileiro gosta de tudo bem doce ou bem
salgado, acha que assim tem mais sabor. Mas com o tempo a própria população vai
exigir alimentos mais saudáveis.”
O
Ministério da Saúde e a Abia devem divulgar nos próximos meses os dados
relativos à redução de sódio nos outros alimentos que integram os acordos.
Brasil fica atrás de outros países no combate ao abuso de sal
Apesar de
sucessos recentes no combate ao consumo excessivo de sal – que provoca
problemas graves de saúde no longo prazo, como hipertensão, doenças cardíacas e
derrames -, o Brasil ainda está atrás de países como Argentina, Estados Unidos
e Grã-Bretanha em iniciativas de saúde do tipo.
Em outros
países, as tentativas mais bem-sucedidas até agora sempre envolveram acordos
com a indústria alimentícia, em que fabricantes reduzem de forma voluntária a
quantidade de sódio dos seus alimentos – modelo que está se mostrando
bem-sucedido no Brasil.
Um dos
motivos desta abordagem é que a maior parte do sal está embutida nos alimentos
processados, não no sal de mesa acrescentado pelos próprios consumidores. Na
medida em que a indústria mude as suas práticas, as pessoas passam a consumir
menos sal.
Em
lugares como Estados Unidos, há pressão para que o governo estabeleça limites
obrigatórios de sal, mas por ora as iniciativas ainda são feitas de forma
voluntária. No Japão, o governo vai colocar certificados de aprovação nos
rótulos de alimentos que possuem pouco sal a partir do ano que vem.
Veja como
alguns países tratam o problema.
Argentina
Nos
últimos quatro anos, a Argentina conseguiu baixar o consumo de sal per capita
com a mesma fórmula adotada por vários países: acordos voluntários com a
indústria alimentícia.
No
primeiro acordo, firmado em 2010, os fabricantes de pão reduziram em 25% a
quantidade de sódio do alimento.
Pouco
tempo depois, o acordo foi ampliado para empresas responsáveis por 435
alimentos de consumo em massa, segundo disse à BBC Brasil o diretor de Promoção
da Saúde e do Controle de Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde,
o médico Sebastián Laspiur.
“Avançamos
muito, mas ainda falta muito. Nestes quatro anos, conseguimos baixar o consumo
de sal per capita por ano. Estimamos que este resultado signifique em torno de
2 mil mortes a menos por problemas provocados pelo sal, como o cardiovascular“,
afirmou.
A
Organização Mundial de Saúde (OMS) estipula que o ideal é a quantidade de 5
gramas per capita. “Estávamos em torno de 11,5 gramas antes e agora em torno
de dez gramas per capita anual. Podemos chegar a nove, mas ainda falta muito
para atingirmos a meta da OMS“, disse Laspiur.
Segundo
ele, cerca de 30% das padarias do país aderiram à iniciativa e colocaram
cartazes em seus estabelecimentos informando que o produto tem menos sal. Além
disso, bares e restaurantes de alguns municípios e de algumas províncias
passaram a atender normas locais tirando o saleiro das mesas. Neste caso, o sal
só é entregue caso o freguês peça.
No ano
passado, foi aprovada uma lei nacional com regras mais amplas sobre o consumo
de sal. Os restaurantes teriam que limitar o uso de sal em suas comidas e ainda
colocar cartazes informando sobre os efeitos negativos para a saúde. No
entanto, os detalhes da nova legislação ainda precisam ser definidos em uma lei
posterior para que as medidas entrem em vigor.
Estados Unidos
Estados Unidos
Os
americano consomem em média 3,3 gramas de sódio por dia, acima do aconselhado
por especialistas no país, de no máximo 2,3 gramas diários ou, em casos
específicos, como para adultos acima de 50 anos ou com histórico de doenças
como hipertensão ou diabetes, de 1,5 grama por dia.
Não há no
país, porém, regras obrigatórias para a redução dos níveis de sódio nos
alimentos.
Uma
parceria entre mais de 90 autoridades locais e estaduais e organizações
nacionais de saúde estabelece metas voluntárias para a redução dos níveis de sódio
usados por fabricantes de alimentos e restaurantes.
A
Iniciativa Nacional para a Redução de Sal (NSRI, na sigla em inglês) é
coordenada pelo Departamento de Saúde da cidade de Nova York e tem o objetivo
de reduzir o consumo de sal em 20%.
As metas
abrangem 62 categorias de alimentos embalados e 25 categorias de comida vendida
em restaurantes.
A
iniciativa conta com a adesão de 28 indústrias alimentícias, supermercados e
cadeias de restaurantes, entre elas grandes nomes como Unilever, Kraft Foods,
Starbucks e Subway. Muitas dessas empresas já atingiram suas metas iniciais.
Em 2010,
um órgão consultivo em questões de saúde, o Instituto de Medicina, pediu que o
governo americano estabelecesse regras nacionais obrigatórias para a presença
de sódio.
O governo,
no entanto, já afirmou que prefere que as regras sejam voluntárias. Em breve,
serão lançadas metas para que a indústria reduza a quantidade de sódio nos
produtos alimentícios.
Especialistas
pedem maior ação das autoridades para garantir uma redução mais abrangente.
“Na
ausência de esforços federais para melhorar monitoramento, fiscalização e
diretrizes para apoiar essas iniciativas de redução de sódio, a preocupação é a
de que esses avanços iniciais não sejam mantidos“, disse à BBC Brasil a
pesquisadora Kirsten Bibbins-Domingo, diretora do Centro para
Populações Vulneráveis da Universidade da Califórnia, em São Francisco.
Grã-Bretanha
No Reino
Unido, os acordos voluntários com a indústria alimentícia também deram
resultados positivos, mas existe um consenso entre especialistas de que é
preciso avançar mais.
O consumo
diário de sal está na faixa de 8,1 gramas por pessoa, e a meta do governo é
reduzir esta média para 6 gramas. Há metas também específicas para crianças: 2
gramas de sal por dia para crianças de até três anos de idade; 3 gramas para
idades de quatro a seis anos; e 5 gramas para crianças de sete a dez anos.
Uma
pesquisa publicada na revista Hypertension mostrou que 70% das 340 crianças
estudadas consomem sal acima da meta.
Segundo a
organização Consunsus Action on Salt & Health, o caminho para se atingir os
objetivos nacionais é trabalhar junto com a indústria alimentícia. A maior
parte do sal vem das comidas já processadas – e não do sal de mesa – e portanto
está fora do controle dos consumidores.
Desde
acordos firmados em 2007, estima-se que o uso total de sal tenha caído em 11
mil toneladas – entre 40% a 50% na maioria dos alimentos.
Japão
Uma
refeição japonesa não é completa sem a tradicional sopa de pasta de soja
(misô), legumes em conserva e pratos que usam como base o molho de soja
(shoyu). Todos altamente ricos em sódio.
Isto fez
especialistas alertarem que o Japão está se tornado novamente um dos países que
mais consomem o nutriente e que é preciso envolver urgentemente a indústria
alimentícia para reduzir a ingestão de sal.
Segundo
dados do Ministério da Saúde japonês, a taxa média de consumo do sal gira em
torno de 11 gramas por dia – semelhante à do Brasil. Mas o governo quer baixar
este patamar para 8 gramas por dia.
Entre as
medidas, o Ministério vai introduzir, a partir de abril de 2015, um sistema de
certificação de “refeição saudável” para alimentos prontos, como pratos
vendidos em lojas de conveniência e em supermercados.
A
quantidade designada de sal para se obter o certificado é de até 3 gramas por
refeição.
Apesar do
alto consumo de sal, os japoneses têm, ironicamente, a maior média de
longevidade do mundo.
Para
Kenji Shibuya, professor do departamento de Política Global de Saúde da
Universidade de Tóquio, as razões da longevidade japonesa estão relacionadas ao
acesso a medidas de saúde pública, educação, higiene e, claro, uma dieta mais
equilibrada, apesar do alto consumo de sódio.
Por
iniciativa do governo, o consumo de sal começou a cair depois da Segunda Guerra
Mundial. Em algumas regiões, a taxa passou de 18 para 14 gramas por dia.
Com isto,
as mortes por pressão alta e por acidente vascular cerebral (AVC),
principalmente, tiveram uma significativa queda. Em comparação com dados de
1947, houve um salto de mais de 30 anos na expectativa de vida dos indivíduos.
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